O livro “Cibercultura”, obra de Pierre Lévy, foi publicado em 1997 e mesmo passados pouco mais de 15 anos mostra-se uma obra atual, por nos propor uma reflexão para entender e repensar os rumos da humanidade sob o viés da aprendizagem a partir do uso das tecnologias digitais. Alguns dos desafios apresentados pelo autor ainda se impões tanto a instituições de ensino – responsáveis pela aprendizagem formal – tanto às demais organizações como ONGs e empresas, que lidam com a aprendizagem no seu dia a dia como elemento crucial num cenário competitivo.
No primeiro capítulo Lévy propõe uma reflexão sobre a forma que percebemos as novas técnicas, sugerindo que equivocadamente nós as consideramos externas e estranhas à sociedade e em parte, determinantes dos nossos rumos.
O autor sugere, no início do capítulo, que o termo “impacto” associados às tecnologias coloca a sociedade como objeto de um sujeito (as tecnologias) determinante e pouco controlável pela sociedade: “A tecnologia seria algo comparável a um projétil (pedra, obus, míssil?) e a cultura ou a sociedade a um alvo vivo ...” (pag 21). E ainda: “Seria a tecnologia uma ator autônomo, separado da sociedade e da cultura, que seriam apenas entidades passivas percutidas por um agente exterior?” (pag 22). A partir deste ponto, propõe uma reflexão tentando desfazer esta ideia demonstrando que fazemos parte como sujeito ativo desse processo de criação de novas técnicas e que a tecnologia não é um ser autônomo e determinante, mas um condicionante no processo de desenvolvimento na sociedade contemporânea.
Em certo momento, a leitura de partes do trabalho pode nos fazer lembrar que as tecnologias estão sujeitas às demandas da humanidade e são resultados de esforços físico e intelectual de pessoas que, primeiro interpretam ou reinterpretam o mundo através de signos vigentes e, em seguida transformam as entidades materiais disponíveis em solução tecnológica, para isso criando novas técnicas ou aproveitando as já disponíveis. Dessa forma, inverte o foco de nosso pensamento: “ em vez de enfatizar o impacto das tecnologias, poderíamos igualmente pensar que as tecnologias são produtos de uma sociedade e de uma cultura” (pag 23).
Falando propriamente do universo da informática, multimídia ou mundo digital, o autor, aponta uma diversidade de interesses ou a “ambivalência e multiplicidade de das significações e dos projetos que envolvem as técnicas”. Desde a competição entre países, a supremacia militar até a colaboração entre pessoas na construção de uma inteligência coletiva. Aponta também a dificuldade em avaliar as implicações culturais, sociais, econômicas, políticas e cognitivas de uma tecnologia que evoluiu de tal forma e apresenta aplicações tão diversas: um mesmo computador que pode servir ao fim militar serve a uma instituição financeira ou ainda ao comum usuário que busca apenas entretenimento. As tecnologias se modernizam e ganham novos significados e usos, às vezes muito pessoais.
Segue seu discurso esclarecendo sobre o papel condicionador e não determinante das novas técnicas definindo o condicionamento como a abertura de possibilidades, sujeitas a interpretações diversas ou coletiva – que não necessariamente serão aproveitadas – em que algumas opções culturais e sociais não poderiam ser pensadas a sério sem a sua presença. Talvez pela possibilidade de interpretações o autor sugira não ser uma técnica boa ou má, mas que seu uso pode abrir ou fechar o espectro das possibilidades, ou seja, cabe-nos definir que rumo daremos e seguiremos com as novidades e orienta que “não se trata de avaliar seus impactos, mas de situar as irreversibilidades às quais um de seus usos nos levaria, de formular os projetos que explorariam as virtualidades que ela transporta e de decidir o que fazer dela” (pag 26).
Por outro lado, relativiza essa possibilidade de decidirmos o uso que daremos às novidades. Diante da as velocidade com que as técnicas parecem surgir, da multiplicidade de atores e interesses envolvidos no processo, algumas formas de uso se impões enquanto ainda discute-se as possibilidades. Essa própria velocidade das transformações do mundo digital é um dos motivos da estranheza e da sensação de impacto que nos causa, de tal forma que não conseguimos avaliar adequadamente o melhor uso e já nos é apresentada nova técnica. Essa velocidade, somada ao grande número de atores envolvido nesse processo, nos aumenta a sensação de pouco domínio sobre a situação, pois entre esses atores não há nenhum que domine toda a informação sobre todo o processo. Os diversos atores parecem dar contribuições de forma sinergética, mas sem a real ou total noção de seu envolvimento no todo de tal maneira que a impressão do “ser autônomo” é conferida ao processo. “A aceleração é tão forte e tão generalizada que até mesmo os mais “ligados” encontram-se em gruas diversos, ultrapassados pela mudança ... Resumindo, quanto mais rápida é a aceleração técnica, mais nos parece vir do exterior. Além disso, o sentimento de estranheza cresce com a separação das atividades e a opacidade dos processos sociais”. (pag 28)
Por fim, defende que o crescimento do ciberespaço não é automaticamente determinante para o desenvolvimento de uma inteligência coletiva, mas assim como toda técnica, apenas condicionante e aponta que suas escolhas de uso podem gerar situações de isolamento e sobrecarga cognitiva, de dependência, de dominação, de exploração e ainda do que chamou de “bobagem coletiva”. E paradoxalmente essa cultura do ciberespaço que surge com ideais inclusivos pode promover a exclusão daqueles que não a compreendem e dela não se apropriam, devido ao ritmo acelerado e desestabilizante da alteração tecno-social.
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